Sabe aquela sensação de ver um trailer promissor e, anos depois, receber um jogo que mal lembra o que foi prometido? Pois é, essa é a exata mistura de esperança e calafrio que senti ao ler sobre o Plano de Desenvolvimento da Indústria de Games do governo de São Paulo. De um lado, um cheque de R$ 8,2 milhões e a promessa de transformar o estado em um polo global de desenvolvimento. Do outro, o fantasma que assombra qualquer iniciativa com dinheiro público no Brasil.
Mas nós, que já temos algumas décadas de controles empoeirados na estante, aprendemos a ser céticos. A memória de outros mecanismos de fomento cultural no país nos ensinou a desconfiar, e com razão.
E sejamos realistas: os R$ 8,2 milhões, apesar de serem um valor inédito para uma política estadual de games no Brasil, são modestos no cenário global. O custo de um único jogo de médio porte pode facilmente ultrapassar essa cifra. Portanto, a expectativa não deve ser a criação imediata de um “AAA” paulista, mas sim o fortalecimento da base de estúdios independentes e o financiamento de bons protótipos e projetos menores.
O Perigo Não é a Empresa, é a “Turma do Edital”
O meu maior receio é quem aperta o botão para liberar a verba. No modelo de “fomento direto”, uma comissão nomeada pelo governo vai decidir quem leva o dinheiro. E é aí que a coisa pode desandar. O risco deixa de ser o departamento de marketing de uma empresa e passa a ser o comitê político, o “amigo do rei”, o alinhamento ideológico. E esse perigo vai além do governo atual. A estrutura criada hoje pode ser usada amanhã por um governo de viés oposto para financiar projetos que a turma de agora jamais aprovaria. O poder de escolher os vencedores é uma ferramenta perigosa que muda de mãos a cada eleição, e a porteira que se abre para um tipo de agenda pode ser a mesma usada para outra totalmente diferente no futuro.
A questão não é se o dinheiro público deve ou não financiar a cultura e a tecnologia. A questão é como garantir que esse dinheiro fomente o talento, e não as agendas políticas.
O Que o Governo NÃO DEVE Fazer
É preciso ser direto: o governo NÃO DEVE usar esses R$ 8,2 milhões para financiar uma dúzia de jogos que só interessam a quem está dentro de uma bolha ideológica. Ninguém merece um “Favela Simulator” ou o enésimo show sobre a seca no Nordeste. Não que essas histórias não tenham seu valor, mas o cinema e a TV já fazem isso à exaustão.

Imagem: Google Gemini – Jogo Fictício
Financiamento público não pode ser sinônimo de panfletagem ou de projeto com zero apelo comercial, criado apenas para agradar um nicho específico de críticos ou ativistas. Os jogos têm o potencial de nos transportar para mundos fantásticos, de nos desafiar com sistemas complexos e de contar histórias universais. É isso que vende. É isso que cria uma indústria forte.
Aprendendo com Quem Faz Certo
Não precisa reinventar a roda. Basta olhar para fora e ver os casos de sucesso. O Canadá construiu uma indústria de games gigante com um sistema inteligente, onde um fundo de mídia opera com independência do governo, isolado da interferência política do dia a dia. Na França, a seleção de projetos é feita por comissões de especialistas da própria indústria – desenvolvedores, artistas, produtores – que julgam os jogos pelo seu mérito técnico e artístico, não por sua mensagem política. São modelos que protegem o dinheiro do contribuinte e garantem que a grana vá para quem realmente tem potencial de criar algo grande.
Um Final Reflexivo
Lembro dos anos 90, quando a gente esperava meses por uma revista para ter notícias de um jogo novo. A paixão era a mesma, mas a escala era outra. Hoje, a indústria é uma gigante global e é bom ver o poder público finalmente percebendo isso. Esse estímulo de São Paulo é um passo importante, mas caminha sobre uma corda bamba.
De um lado, a chance de criar um ecossistema forte. Do outro, o abismo do aparelhamento político e da irrelevância cultural, onde o dinheiro serve para premiar os amigos e criar produtos que não sobrevivem um dia na prateleira da Steam. A torcida é para que o bom senso prevaleça. Mas eu, como um gamer veterano, vou ficar aqui, com o controle na mão, observando cada pixel desse investimento.