O Golpe Asiático: Como a Testronic Destruiu o Secret 6 Madrid para Explorar Manila

Secret 6 Madrid, estúdio de Diablo IV e The Last of Us, será fechado pela Testronic.

Por Diego Barbosa
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Há crimes que são cometidos em salas de reunião, longe dos holofotes, mas cujas consequências destroem vidas reais. O fechamento do Secret 6 Madrid em 31 de julho, com demissão de todos os 42 funcionários, é um desses crimes corporativos que expõe a face mais suja da globalização na indústria de games.

A Trajetória de uma Empresa Respeitada

O Secret 6 Madrid não era um estúdio qualquer. Durante 8 anos, construiu uma reputação sólida como especialista em arte terceirizada para jogos AAA. Sua carteira incluía títulos de peso: MediEvil Remake, The Last of Us Part II Remastered, Diablo IV e Lords of the Fallen.

Eram profissionais que dominavam as técnicas mais avançadas de arte digital, que entendiam as nuances visuais que fazem a diferença entre um jogo medíocre e uma obra-prima. Talentos que levaram anos para se formar e décadas para se aperfeiçoar.

O Plano Desde o Início

Em 2022, a Testronic adquiriu o Secret 6 em sua totalidade, tanto a sede de Madrid quanto a de Manila. Na época, prometeram que ambos os estúdios continuariam operando normalmente. Era mentira.

Segundo a Coordinadora Sindical del Videojuego, desde a aquisição, a sede de Madrid não recebeu um único contrato da Testronic. Nem um. O estúdio sobreviveu exclusivamente com contratos anteriores que ainda estavam em vigor.

A estratégia era óbvia: deixar Madrid definhar enquanto fortalecia Manila, onde os salários são uma fração dos europeus e as condições de trabalho são infinitamente mais precárias.

A Farsa das “Perdas Financeiras”

A Testronic justifica o fechamento alegando “perdas financeiras irreversíveis”. Que perdas são essas quando o estúdio de Madrid se mantinha solvente com contratos próprios? Como uma empresa pode ter perdas em uma subsidiária que ela deliberadamente sabotou?

É como quebrar as pernas de alguém e depois reclamar que a pessoa não consegue correr. A Testronic criou as condições para o fracasso e agora usa esse fracasso fabricado como justificativa para o fechamento.

A Matemática da Exploração

Vamos falar sobre números reais. Um artista 3D sênior em Madrid ganha cerca de €40.000 anuais. O mesmo profissional em Manila recebe aproximadamente $8.000 anuais. É uma diferença de 400%.

Multiplicando pelos 42 funcionários, a Testronic economizará cerca de €1,3 milhão por ano transferindo a operação para as Filipinas. É isso que vale o talento europeu para essas corporações: uma linha em uma planilha de Excel.

O Padrão Global de Destruição

O caso do Secret 6 Madrid não é isolado. É parte de um padrão global onde empresas ocidentais adquirem estúdios talentosos apenas para transferir suas operações para países com mão de obra mais barata.

A Microsoft fez isso com vários estúdios após aquisições. A EA tem histórico similar. Agora é a vez da Testronic mostrar que a ganância não tem nacionalidade – é uma linguagem universal entre executivos.

O Custo Humano da Globalização

Por trás dos números estão 42 profissionais que acordaram um dia descobrindo que seus anos de dedicação não valiam nada. Artistas que criaram texturas para Diablo IV, que deram vida aos personagens de The Last of Us, que poliam cada pixel dos remakes que jogamos.

Esses talentos não desaparecerão – muitos encontrarão outros empregos. Mas a experiência coletiva, a sinergia da equipe, o conhecimento acumulado? Isso se perde para sempre.

A Resistência Sindical

A Coordinadora Sindical del Videojuego, apoiada pela CGT, está lutando pelos direitos dos trabalhadores demitidos. Exigem pacotes de indenização justos e transparência sobre os verdadeiros motivos do fechamento.

É uma batalha David contra Golias, mas necessária. Se não houver resistência, outras empresas seguirão o mesmo roteiro: comprar, sabotar, transferir, lucrar.

Um Futuro Sombrio

O fechamento do Secret 6 Madrid é um sintoma de uma doença maior: a transformação da indústria de games em uma commodity global onde o talento é descartável e a localização geográfica determina o valor humano.

Para nós, gamers que valorizamos a qualidade artística dos jogos, fica a pergunta: que tipo de indústria estamos construindo quando a excelência é sacrificada no altar da economia de custos? A resposta, infelizmente, está nas demissões de hoje e nos jogos medíocres de amanhã.

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